Desiguais perante a lei
Demétrio Magnoli
Demétrio Magnoli
Raça
é o grupo populacional que se distingue no interior da espécie por
características que variam abruptamente, ou seja, sem formas intermediárias. Na
natureza, as raças se formam, geralmente, em decorrência do isolamento
geográfico de populações. A Genética
provou que a espécie humana não se divide em raças.
As
características das populações humanas – como
a cor da pele – não variam de modo abrupto, mas gradativo. As migrações
humanas, que começaram há 100 mil anos, evitaram o isolamento geográfico de
populações e a configuração de raças. Sérgio Danilo Pena, pesquisador que
participou do projeto Genoma Humano, explicou: “Eu, que sou branco, sou
geneticamente tão diferente de uma outra pessoa branca quanto de um negro
africano. Se eu tiver acesso às ‘impressões digitais’ do DNA de dez europeus,
dez africanos, dez ameríndios e dez chineses, não vou saber quem é de qual
grupo. Todo mundo é diferente!”
As
“raças humanas” foram inventadas pelo racismo. O racismo “científico” desenvolveu-se no século XIX, oferecendo solução para o problema (que não
existia antes do Iluminismo) de justificar a escravidão e a opressão colonial
num mundo impregnado pela noção da igualdade natural entre os seres humanos.
A fraude científica do racismo permitia conciliar a idéia de que “todos nascem
livres e iguais” com a convicção da inferioridade intelectual de negros,
ameríndios ou amarelos.
A
luta pelos direitos civis nos Estados Unidos baseou-se na afirmação da
igualdade política. Luther King sonhava com o dia em que as pessoas fossem
julgadas “pelo seu caráter e não pela cor da sua pele”. Mas, depois de
derrotada a discriminação oficial, aquele movimento se desviou para o caminho
da Ação Afirmativa, que renega o sonho de Luther King e substitui a meta da
conquista de serviços públicos de qualidade para todos por privilégios
seletivos baseados no critério da cor da pele.
No Brasil, a Ação
Afirmativa
está prestes a ganhar o estatuto de política de Estado. Uma lei em
tramitação vai assegurar cotas para negros na administração pública, nas
universidades, no marketing e em outros setores. O princípio implícito que
sustenta a política de cotas é o da divisão da humanidade em raças. A sua
dinâmica é a da negação da igualdade política dos cidadãos, que é o
fundamento da república e da democracia. O seu discurso legitimador organiza-se
em torno da radicalização metafísica da noção de culpa coletiva.
Segundo
esse discurso, as cotas destinam-se a
reparar as injustiças cometidas pelos brancos contra os negros através do
instituto da escravidão. Assim, brancos e negros são definidos em bases raciais
e os representantes atuais da “raça branca” devem expiar a culpa de seus
ancestrais de “raça”. A noção de culpa coletiva serviu, no passado, para justificar
a opressão imposta a sociedades derrotadas em guerra. Mas sequer os
vencedores das guerras chegaram a sugerir que a “culpa” dos derrotados pudesse
se transferir para as gerações futuras. Por isso, a imposição de reparações
sempre foi limitada a períodos curtos de tempo.
No
Brasil, a política de cotas une negros e brancos, esquerda e direita. Os
movimentos negros parecem satisfeitos com benesses para uma pequena parcela da
classe média negra. Porto Alegre do PT e a Bahia de ACM, pioneiros das cotas,
mostram o caminho: conceder empregos públicos ou vagas nas universidades para
um punhado de negros custa pouco e faz barulho. A política de cotas destina-se
a adiar para um futuro incerto os investimentos maciços em saúde, educação e
emprego que interessam de fato aos negros (e brancos) pobres.
Demétrio Magnoli é doutor em Geografia Humana
pela USP. Publicado na Revista Pangea em 13 de março, 2003.
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