segunda-feira, 30 de abril de 2012
Exclusão e Minorias
O conceito “exclusão começou a ser usado pelas ciências sociais em meados da década de 80,
Essa idéia da lógica da matemática, para as ciências sociais tem sido um achado. O conceito é um
Como chave hermenêutica, o conceito exclusão nos permite entender e explicar um fenômeno
Os excluídos têm na luta pela cidadania não só uma nova estratégia, mas um novo paradigma. A
A natureza as fez diferentes. Elas não podem, nem querem ser igual aos homens. Elas querem ter
Assim a luta dos excluídos pela cidadania é também uma luta contra todo e qualquer discurso,
MORTE E VIDA SEVERINA (JOÃO CABRAL DE MELO NETO): Sociodiversidade, Multiculturalismo e Inclusão
Trecho do poema Morte e Vida Severina
MORTE E VIDA SEVERINA (JOÃO CABRAL DE
MELO NETO)
DIRIGE-SE À MULHER NA JANELA QUE DEPOIS,
DESCOBRE TRATAR-SE DE QUEM SE SABERÁ.
–
Muito bom dia senhora,
que nessa janela está
sabe dizer se é possível
algum trabalho encontrar?
que nessa janela está
sabe dizer se é possível
algum trabalho encontrar?
–
Trabalho aqui nunca falta
a quem sabe trabalhar
o que fazia o compadre
na sua terra de lá?
a quem sabe trabalhar
o que fazia o compadre
na sua terra de lá?
–
Pois fui sempre lavrador,
lavrador de terra má
não há espécie de terra
que eu não possa cultivar.
lavrador de terra má
não há espécie de terra
que eu não possa cultivar.
–
Isso aqui de nada adianta,
pouco existe o que lavrar
mas diga-me, retirante,
o que mais fazia por lá?
pouco existe o que lavrar
mas diga-me, retirante,
o que mais fazia por lá?
–
Também lá na minha terra
de terra mesmo pouco há
mas até a calva da pedra
sinto-me capaz de arar.
de terra mesmo pouco há
mas até a calva da pedra
sinto-me capaz de arar.
–
Também de pouco adianta,
nem pedra há aqui que amassar
diga-me ainda, compadre,
que mais fazias por lá?
nem pedra há aqui que amassar
diga-me ainda, compadre,
que mais fazias por lá?
–
Conheço todas as roças
que nesta chã podem dar
o algodão, a mamona,
a pita, o milho, o caroá.
que nesta chã podem dar
o algodão, a mamona,
a pita, o milho, o caroá.
–
Esses roçados o banco
já não quer financiar
mas diga-me, retirante,
o que mais fazia lá?
já não quer financiar
mas diga-me, retirante,
o que mais fazia lá?
–
Melhor do que eu ninguém
sei combater, quiçá,
tanta planta de rapina
que tenho visto por cá.
sei combater, quiçá,
tanta planta de rapina
que tenho visto por cá.
–
Essas plantas de rapina
são tudo o que a terra dá
diga-me ainda, compadre
que mais fazia por lá?
são tudo o que a terra dá
diga-me ainda, compadre
que mais fazia por lá?
–
Tirei mandioca de chãs
que o vento vive a esfolar
e de outras escalavras
pela seca faca solar.
que o vento vive a esfolar
e de outras escalavras
pela seca faca solar.
–
Isto aqui não é Vitória
nem
é Glória do Goitá
e além da terra, me diga,
que mais sabe trabalhar?
e além da terra, me diga,
que mais sabe trabalhar?
–
Sei também tratar de gado,
entre urtigas pastorear
gado de comer do chão
ou de comer ramas no ar.
entre urtigas pastorear
gado de comer do chão
ou de comer ramas no ar.
–
Aqui não é Surubim
nem Limoeiro, oxalá!
mas diga-me, retirante,
que mais fazia por lá?
nem Limoeiro, oxalá!
mas diga-me, retirante,
que mais fazia por lá?
–
Em qualquer das cinco tachas
de um bangüê sei cozinhar
sei cuidar de uma moenda,
de uma casa de purgar.
de um bangüê sei cozinhar
sei cuidar de uma moenda,
de uma casa de purgar.
–
Com a vinda das usinas
há poucos engenhos já
nada mais o retirante
aprendeu a fazer lá?
há poucos engenhos já
nada mais o retirante
aprendeu a fazer lá?
–
Ali ninguém aprendeu
outro ofício, ou aprenderá
mas o sol, de sol a sol,
bem se aprende a suportar.
outro ofício, ou aprenderá
mas o sol, de sol a sol,
bem se aprende a suportar.
–
Mas isso então será tudo
em que sabe trabalhar?
vamos, diga, retirante,
outras coisas saberá.
em que sabe trabalhar?
vamos, diga, retirante,
outras coisas saberá.
–
Deseja mesmo saber
o que eu fazia por lá?
comer quando havia o quê
e, havendo ou não, trabalhar.
o que eu fazia por lá?
comer quando havia o quê
e, havendo ou não, trabalhar.
–
Essa vida por aqui
é coisa familiar
mas diga-me retirante,
sabe benditos rezar?
é coisa familiar
mas diga-me retirante,
sabe benditos rezar?
sabe cantar excelências,
defuntos encomendar?
sabe tirar ladainhas,
sabe mortos enterrar?
defuntos encomendar?
sabe tirar ladainhas,
sabe mortos enterrar?
–
Já velei muitos defuntos,
na serra é coisa vulgar
mas nunca aprendi as rezas,
sei somente acompanhar.
na serra é coisa vulgar
mas nunca aprendi as rezas,
sei somente acompanhar.
–
Pois se o compadre soubesse
rezar ou mesmo cantar,
trabalhávamos a meias,
que a freguesia bem dá.
rezar ou mesmo cantar,
trabalhávamos a meias,
que a freguesia bem dá.
–
Agora se me permite
minha vez de perguntar:
como senhora, comadre,
pode manter o seu lar?
minha vez de perguntar:
como senhora, comadre,
pode manter o seu lar?
–
Vou explicar rapidamente,
logo compreenderá:
logo compreenderá:
como
aqui a morte é tanta,
vivo de a morte ajudar.
vivo de a morte ajudar.
–
E ainda se me permite
que volte a perguntar:
é aqui uma profissão
trabalho tão singular?
que volte a perguntar:
é aqui uma profissão
trabalho tão singular?
–
é, sim, uma profissão,
e a melhor de quantas há:
sou de toda a região
rezadora titular.
e a melhor de quantas há:
sou de toda a região
rezadora titular.
–
E ainda se me permite
mais outra vez indagar:
é boa essa profissão
em que a comadre ora está?
mais outra vez indagar:
é boa essa profissão
em que a comadre ora está?
–
De um raio de muitas léguas
vem gente aqui me chamar
a verdade é que não pude
queixar-me ainda de azar.
vem gente aqui me chamar
a verdade é que não pude
queixar-me ainda de azar.
–
E se pela última vez
me permite perguntar:
não existe outro trabalho
para mim nesse lugar?
me permite perguntar:
não existe outro trabalho
para mim nesse lugar?
–
Como aqui a morte é tanta,
só é possível trabalhar
nessas profissões que fazem
da morte ofício ou bazar.
Imagine que outra gente
de profissão similar,
farmacêuticos, coveiros,
doutor de anel no anular,
remando contra a corrente
da gente que baixa ao mar,
retirantes às avessas,
sobem do mar para cá.
Só os roçados da morte
compensam aqui cultivar,
e cultivá-los é fácil:
simples questão de plantar
não se precisa de limpa,
as estiagens e as pragas
fazemos mais prosperar
e dão lucro imediato
nem é preciso esperar
pela colheita: recebe-se
na hora mesma de semear.
só é possível trabalhar
nessas profissões que fazem
da morte ofício ou bazar.
Imagine que outra gente
de profissão similar,
farmacêuticos, coveiros,
doutor de anel no anular,
remando contra a corrente
da gente que baixa ao mar,
retirantes às avessas,
sobem do mar para cá.
Só os roçados da morte
compensam aqui cultivar,
e cultivá-los é fácil:
simples questão de plantar
não se precisa de limpa,
as estiagens e as pragas
fazemos mais prosperar
e dão lucro imediato
nem é preciso esperar
pela colheita: recebe-se
na hora mesma de semear.
Os versos extraídos do
livro "João Cabral de Melo Neto -
Obra Completa", Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994.
Desiguais perante a lei: Sociodiversidade, Multiculturalismo e Inclusão
Desiguais perante a lei
Demétrio Magnoli
Demétrio Magnoli
Raça
é o grupo populacional que se distingue no interior da espécie por
características que variam abruptamente, ou seja, sem formas intermediárias. Na
natureza, as raças se formam, geralmente, em decorrência do isolamento
geográfico de populações. A Genética
provou que a espécie humana não se divide em raças.
As
características das populações humanas – como
a cor da pele – não variam de modo abrupto, mas gradativo. As migrações
humanas, que começaram há 100 mil anos, evitaram o isolamento geográfico de
populações e a configuração de raças. Sérgio Danilo Pena, pesquisador que
participou do projeto Genoma Humano, explicou: “Eu, que sou branco, sou
geneticamente tão diferente de uma outra pessoa branca quanto de um negro
africano. Se eu tiver acesso às ‘impressões digitais’ do DNA de dez europeus,
dez africanos, dez ameríndios e dez chineses, não vou saber quem é de qual
grupo. Todo mundo é diferente!”
As
“raças humanas” foram inventadas pelo racismo. O racismo “científico” desenvolveu-se no século XIX, oferecendo solução para o problema (que não
existia antes do Iluminismo) de justificar a escravidão e a opressão colonial
num mundo impregnado pela noção da igualdade natural entre os seres humanos.
A fraude científica do racismo permitia conciliar a idéia de que “todos nascem
livres e iguais” com a convicção da inferioridade intelectual de negros,
ameríndios ou amarelos.
A
luta pelos direitos civis nos Estados Unidos baseou-se na afirmação da
igualdade política. Luther King sonhava com o dia em que as pessoas fossem
julgadas “pelo seu caráter e não pela cor da sua pele”. Mas, depois de
derrotada a discriminação oficial, aquele movimento se desviou para o caminho
da Ação Afirmativa, que renega o sonho de Luther King e substitui a meta da
conquista de serviços públicos de qualidade para todos por privilégios
seletivos baseados no critério da cor da pele.
No Brasil, a Ação
Afirmativa
está prestes a ganhar o estatuto de política de Estado. Uma lei em
tramitação vai assegurar cotas para negros na administração pública, nas
universidades, no marketing e em outros setores. O princípio implícito que
sustenta a política de cotas é o da divisão da humanidade em raças. A sua
dinâmica é a da negação da igualdade política dos cidadãos, que é o
fundamento da república e da democracia. O seu discurso legitimador organiza-se
em torno da radicalização metafísica da noção de culpa coletiva.
Segundo
esse discurso, as cotas destinam-se a
reparar as injustiças cometidas pelos brancos contra os negros através do
instituto da escravidão. Assim, brancos e negros são definidos em bases raciais
e os representantes atuais da “raça branca” devem expiar a culpa de seus
ancestrais de “raça”. A noção de culpa coletiva serviu, no passado, para justificar
a opressão imposta a sociedades derrotadas em guerra. Mas sequer os
vencedores das guerras chegaram a sugerir que a “culpa” dos derrotados pudesse
se transferir para as gerações futuras. Por isso, a imposição de reparações
sempre foi limitada a períodos curtos de tempo.
No
Brasil, a política de cotas une negros e brancos, esquerda e direita. Os
movimentos negros parecem satisfeitos com benesses para uma pequena parcela da
classe média negra. Porto Alegre do PT e a Bahia de ACM, pioneiros das cotas,
mostram o caminho: conceder empregos públicos ou vagas nas universidades para
um punhado de negros custa pouco e faz barulho. A política de cotas destina-se
a adiar para um futuro incerto os investimentos maciços em saúde, educação e
emprego que interessam de fato aos negros (e brancos) pobres.
Demétrio Magnoli é doutor em Geografia Humana
pela USP. Publicado na Revista Pangea em 13 de março, 2003.
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