segunda-feira, 30 de abril de 2012

Exclusão e Minorias

Exclusão e Minorias


O conceito “exclusão começou a ser usado pelas ciências sociais em meados da década de 80,
especialmente após a crise dos Estados e paradigmas socialistas”. A exemplo de muitos outros
conceitos, tais como: “movimento”, “revolução”, “massa”, etc., este também foi emprestado de
outras ciências. Sua origem vem da lógica da matemática, especificamente, da teoria dos conjuntos,
segundo a qual “forma-se conjunto com os elementos iguais”. Portanto, pertencer ou não, estar
incluído ou excluído depende do elemento ser igual ou diferente ao conjunto dos elementos
predominantes.

Essa idéia da lógica da matemática, para as ciências sociais tem sido um achado. O conceito é um
instrumento para explicar de maneira clara, objetiva, precisa e didática o fenômeno que ocorre no
mundo da globalização. A sociedade determinada, organizada e regida pela lógica do mercado é de
natureza excludente. Há na sua essência a mesma lógica inspiradora, “ordenadora” e “fundante” da
teoria dos conjuntos.

 

Como chave hermenêutica, o conceito exclusão nos permite entender e explicar um fenômeno
extremamente situado no seio da sociedade contemporânea, o qual, os velhos conceitos da teoria
marxista, tais como: “luta de classes”, “dominação”, “exploração”, “oprimidos” ou “empobrecidos”,
não conseguiam atingir essa complexidade. Em geral, esses conceitos tinham uma forte influência
de uma concepção economicista dos conflitos sociais. Por sua vez, o conceito exclusão nos permite
perceber as diversas formas de se excluir na sociedade. A exclusão não ocorre apenas por motivos
econômicos, mas também, por motivos políticos, culturais, étnicos, religiosos, etários, sexuais, etc.
De qualquer maneira, há no conceito uma forte carga política de denúncia. O conceito não é neutro,
ingênuo ou inofensivo. Ele, entre outras coisas, denúncia uma situação de conflito e desigualdade. A
exclusão é decorrente de uma lógica perversa que determina as relações sociais. No conceito está
implícito o outro aquele que faz exclusão, o vencedor. Os excluídos são seres concretos,
historicamente derrotados e humilhados, à margem da vida social, descartáveis, quase sem
perspectivas de vida. São os pobres, miseráveis, indigentes, desempregados, doentes, portadores
de deficiências, índios, negros, gays, lésbicas, etc., os que não tem acesso ao mercado, emprego,
previdência, educação, saúde, terra, moradia e qualquer direito fundamental. São aqueles aos quais
se lhes nega sistematicamente a cidadania.


Os excluídos têm na luta pela cidadania não só uma nova estratégia, mas um novo paradigma. A
luta pela cidadania é a luta pelos direitos iguais. Isso, não só tem inspirado e mobilizado os
excluídos, mas, assim de tudo, tem nos permitido refletir sobre os fundamentos de uma nova
sociedade baseada no direito igual entre os diferentes. Partimos do pressuposto de que as
diferenças são naturais e não podem ser eliminadas e que o direito é uma condição civilizatória. Isto
fica claro quando passamos a entender que a luta das mulheres pelos direitos iguais, não é uma luta
para ser igual aos homens.

 

A natureza as fez diferentes. Elas não podem, nem querem ser igual aos homens. Elas querem ter
direitos iguais, para preservar, inclusive, suas diferenças. A mesma coisa podemos refletir acerca
de todos os diferentes: estrangeiros, índios, negros, pessoas com deficiência, etc. Este paradigma é
radicalmente contrário à lógica da exclusão. Segundo ele, há uma diferença substancial entre ser e
ter. Somos seres diferentes, mas mesmo na diferença podemos TER direitos iguais.

 

Assim a luta dos excluídos pela cidadania é também uma luta contra todo e qualquer discurso,
política ou estratégia de inclusão. A luta pela cidadania é a luta pela erradicação de toda e qualquer
forma de exclusão. Ela é uma luta radical, contrária à lógica e às políticas compensatórias, onde os
que praticam a exclusão, a fim de aliviar as conseqüências da mesma, são capazes de crias cotas,
para incluir um e outro, mas não são capazes de pensar nem lutar pela erradicação da exclusão.
Incluir significa admitir que haja exclusão. As políticas de inclusão pressupõem um direito tutelado.
O problema é quem diz: “Vamos incluir” e quem decide sobre que critério, princípios, abrangências e valores se incluem a quem dentro de quê? De tal maneira que, a luta por uma nova sociedade
pressupõe de fato a erradicação de toda e qualquer forma de exclusão.



MORTE E VIDA SEVERINA (JOÃO CABRAL DE MELO NETO): Sociodiversidade, Multiculturalismo e Inclusão



Trecho do poema Morte e Vida Severina

MORTE E VIDA SEVERINA (JOÃO CABRAL DE MELO NETO)

DIRIGE-SE À MULHER NA JANELA QUE DEPOIS, DESCOBRE TRATAR-SE DE QUEM SE SABERÁ.

 

–  Muito bom dia senhora, 
que nessa janela está 
sabe dizer se é possível 
algum trabalho encontrar?   

–  Trabalho aqui nunca falta 
a quem sabe trabalhar 
o que fazia o compadre 
na sua terra de lá?   

–  Pois fui sempre lavrador, 
lavrador de terra má 
não há espécie de terra 
que eu não possa cultivar.   

–  Isso aqui de nada adianta, 
pouco existe o que lavrar 
mas diga-me, retirante, 
o que mais fazia por lá?   

–  Também lá na minha terra 
de terra mesmo pouco há 
mas até a calva da pedra 
sinto-me capaz de arar.   

–  Também de pouco adianta, 
nem pedra há aqui que amassar 
diga-me ainda, compadre, 
que mais fazias por lá?   

–  Conheço todas as roças 
que nesta chã podem dar 
o algodão, a mamona, 
a pita, o milho, o caroá.   

–  Esses roçados o banco 
já não quer financiar 
mas diga-me, retirante, 
o que mais fazia lá?   

–  Melhor do que eu ninguém 
sei combater, quiçá, 
tanta planta de rapina 
que tenho visto por cá.   

–  Essas plantas de rapina 
são tudo o que a terra dá 
diga-me ainda, compadre 
que mais fazia por lá?   

–  Tirei mandioca de chãs 
que o vento vive a esfolar 
e de outras escalavras 
pela seca faca solar.   

–  Isto aqui não é Vitória  
nem é Glória do Goitá 
e além da terra, me diga, 
que mais sabe trabalhar?   

–  Sei também tratar de gado, 
entre urtigas pastorear 
gado de comer do chão 
ou de comer ramas no ar.   

–  Aqui não é Surubim 
nem Limoeiro, oxalá! 
mas diga-me, retirante, 
que mais fazia por lá?   

–  Em qualquer das cinco tachas 
de um bangüê sei cozinhar 
sei cuidar de uma moenda, 
de uma casa de purgar.   

–  Com a vinda das usinas 
há poucos engenhos já 
nada mais o retirante 
aprendeu a fazer lá?   

–  Ali ninguém aprendeu 
outro ofício, ou aprenderá 
mas o sol, de sol a sol, 
bem se aprende a suportar.   

–  Mas isso então será tudo 
em que sabe trabalhar? 
vamos, diga, retirante, 
outras coisas saberá.   

–  Deseja mesmo saber 
o que eu fazia por lá? 
comer quando havia o quê 
e, havendo ou não, trabalhar.   

–  Essa vida por aqui 
é coisa familiar 
mas diga-me retirante, 
sabe benditos rezar?  
sabe cantar excelências, 
defuntos encomendar? 
sabe tirar ladainhas, 
sabe mortos enterrar?   

–  Já velei muitos defuntos, 
na serra é coisa vulgar 
mas nunca aprendi as rezas, 
sei somente acompanhar.   

–  Pois se o compadre soubesse 
rezar ou mesmo cantar, 
trabalhávamos a meias, 
que a freguesia bem dá.   

–  Agora se me permite 
minha vez de perguntar: 
como senhora, comadre, 
pode manter o seu lar?   

–  Vou explicar rapidamente, 
logo compreenderá:  
como aqui a morte é tanta, 
vivo de a morte ajudar.   

–  E ainda se me permite 
que volte a perguntar: 
é aqui uma profissão 
trabalho tão singular?   

–  é, sim, uma profissão, 
e a melhor de quantas há: 
sou de toda a região 
rezadora titular.   

–  E ainda se me permite 
mais outra vez indagar: 
é boa essa profissão 
em que a comadre ora está?   

–  De um raio de muitas léguas 
vem gente aqui me chamar 
a verdade é que não pude 
queixar-me ainda de azar.   

–  E se pela última vez 
me permite perguntar: 
não existe outro trabalho 
para mim nesse lugar?   

–  Como aqui a morte é tanta, 
só é possível trabalhar 
nessas profissões que fazem 
da morte ofício ou bazar. 
Imagine que outra gente 
de profissão similar, 
farmacêuticos, coveiros, 
doutor de anel no anular, 
remando contra a corrente 
da gente que baixa ao mar, 
retirantes às avessas, 
sobem do mar para cá. 
Só os roçados da morte 
compensam aqui cultivar, 
e cultivá-los é fácil: 
simples questão de plantar 
não se precisa de limpa, 
as estiagens e as pragas 
fazemos mais prosperar 
e dão lucro imediato 
nem é preciso esperar 
pela colheita: recebe-se 
na hora mesma de semear.  


  
Os versos extraídos do livro "João Cabral de Melo Neto - Obra Completa", Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994.

Desiguais perante a lei: Sociodiversidade, Multiculturalismo e Inclusão


Desiguais perante a lei
Demétrio Magnoli

Raça é o grupo populacional que se distingue no interior da espécie por características que variam abruptamente, ou seja, sem formas intermediárias. Na natureza, as raças se formam, geralmente, em decorrência do isolamento geográfico de populações. A Genética provou que a espécie humana não se divide em raças.
 
As características das populações humanas – como a cor da pele – não variam de modo abrupto, mas gradativo. As migrações humanas, que começaram há 100 mil anos, evitaram o isolamento geográfico de populações e a configuração de raças. Sérgio Danilo Pena, pesquisador que participou do projeto Genoma Humano, explicou: “Eu, que sou branco, sou geneticamente tão diferente de uma outra pessoa branca quanto de um negro africano. Se eu tiver acesso às ‘impressões digitais’ do DNA de dez europeus, dez africanos, dez ameríndios e dez chineses, não vou saber quem é de qual grupo. Todo mundo é diferente!”
 
As “raças humanas” foram inventadas pelo racismo. O racismo “científico” desenvolveu-se no século XIX, oferecendo solução para o problema (que não existia antes do Iluminismo) de justificar a escravidão e a opressão colonial num mundo impregnado pela noção da igualdade natural entre os seres humanos. A fraude científica do racismo permitia conciliar a idéia de que “todos nascem livres e iguais” com a convicção da inferioridade intelectual de negros, ameríndios ou amarelos.
 
A luta pelos direitos civis nos Estados Unidos baseou-se na afirmação da igualdade política. Luther King sonhava com o dia em que as pessoas fossem julgadas “pelo seu caráter e não pela cor da sua pele”. Mas, depois de derrotada a discriminação oficial, aquele movimento se desviou para o caminho da Ação Afirmativa, que renega o sonho de Luther King e substitui a meta da conquista de serviços públicos de qualidade para todos por privilégios seletivos baseados no critério da cor da pele.
 
No Brasil, a Ação Afirmativa está prestes a ganhar o estatuto de política de Estado. Uma lei em tramitação vai assegurar cotas para negros na administração pública, nas universidades, no marketing e em outros setores. O princípio implícito que sustenta a política de cotas é o da divisão da humanidade em raças. A sua dinâmica é a da negação da igualdade política dos cidadãos, que é o fundamento da república e da democracia. O seu discurso legitimador organiza-se em torno da radicalização metafísica da noção de culpa coletiva.
 
Segundo esse discurso, as cotas destinam-se a reparar as injustiças cometidas pelos brancos contra os negros através do instituto da escravidão. Assim, brancos e negros são definidos em bases raciais e os representantes atuais da “raça branca” devem expiar a culpa de seus ancestrais de “raça”. A noção de culpa coletiva serviu, no passado, para justificar a opressão imposta a sociedades derrotadas em guerra. Mas sequer os vencedores das guerras chegaram a sugerir que a “culpa” dos derrotados pudesse se transferir para as gerações futuras. Por isso, a imposição de reparações sempre foi limitada a períodos curtos de tempo.
No Brasil, a política de cotas une negros e brancos, esquerda e direita. Os movimentos negros parecem satisfeitos com benesses para uma pequena parcela da classe média negra. Porto Alegre do PT e a Bahia de ACM, pioneiros das cotas, mostram o caminho: conceder empregos públicos ou vagas nas universidades para um punhado de negros custa pouco e faz barulho. A política de cotas destina-se a adiar para um futuro incerto os investimentos maciços em saúde, educação e emprego que interessam de fato aos negros (e brancos) pobres.

 
Demétrio Magnoli é doutor em Geografia Humana pela USP. Publicado na Revista Pangea em 13 de março, 2003.